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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A ARMAÇÃO CHINESA

A ARMAÇÃO CHINESA

Marina da Silva

Que uma boa dona-de-casa é também uma excelente economista é sabido em todo o mundo. E foi assentada nesta qualidade, que, após cálculos e estudos sobre custo/benefício, investimento/retorno, lucro/prejuízo e principalmente, não ficar pagando mico, é que mesmo antes do início das chuvas me preocupei em me armar com uma peça autêntica, original, enfim, um bom guarda-chuva.
 Desfiz de toda a cacaria de sombrinhas 1,99, aquelas compradas quando o tempo muda de supetão, em qualquer lugar e tomei opiniões sobre onde achar um produto de qualidade e principalmente durabilidade. Não que eu tenha tantas restrições aos produtos chineses, mas sombrinhas e guarda-chuvas não é a praia deles. E basta sair num dia de chuva, postar-se num ponto alto de algum edifício do centro e dar uma olhada para baixo para se identificar a armação chinesa. O tecido ainda passa, mas a armação só serve para nos matar de raiva e passar vexame.
É um festival multicolorido de sombrinhas escangalhadas – feio e lastimável. E isso sem contar o que acontece quando se enfrenta chuva e ventania: nasce do nada um exército de espadachins!
Então peguei endereços de lojas tradicionais em venda de bons produtos e lá fui eu comprar o meu guarda-chuva. Entrei numa loja e a aparência nobre e as garantias convenceram-me a pagar à vista. Era um produto nacional, de uma empresa paulista, que vendia um dos melhores produtos do país! O vendedor excitado citou-me  nome, endereço, o CGC e o CPF da fábrica e do dono.
Saí de lá feliz e pronta para uma dança na chuva! A estréia foi boa: uma chuva média e senti que havia comprado uma armadura resistente. Mas não é que em menos de um mês, entre abrir e fechar, o meu lindo, autêntico e original guarda-chuva – crack- quebrou uma haste da armação.
Só dei pelo acontecido quando cheguei em casa a noitinha e fui abrí-lo na área para secar. Que decepção! Que dor no coração! Meu guarda-chuva que valia meia dúzia de sombrinhas da China!
_ Vou ao PROCON! Pensei chateada. Mas como não tinha passado nem um mês achei melhor voltar lá na loja e reclamar da qualidade dos guarda-chuvas e sombrinhas; vai ver que foi um acaso! Só que por curiosidade, tive a idéia de olhar o endereço da fábrica paulista na etiquetinha. Meu queixo caiu! Fiquei pasma, passada com o que estava escrito na tira branquinha:
_ Fabricado na China 100% poliamida. Importado por Ronche.... e Cia Ltda. CGC 64.018.../....-..
_ Putz! Sentei-me no sofá desolada. Caí em mais um negócio da China!



quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

DE SALTO ALTO

DE SALTO ALTO
Marina da Silva


É inegável que um salto alto, em geral, deixa a mulher elegante; principalmente um salto fino, agulha. Raramente uma mulher, em nome da beleza e elegância, não lança mão de um saltinho. Mas aqui em Beagá, a capital mineira, andar num salto alto muitas vezes é arte, manha, um alto risco que pode acabar numa tragédia ortopédica ou mesmo um TC – traumatismo craniano.
Ao turista pode parecer deselegante ver da janela do carro ou ônibus a profusão de chinelos, rasteirinhas, sapatos baixos, tênis e salto Anabela, hoje acompanhado pelo Plataforma, um salto tão grande e desajeitado como uma plataforma  petrolífera da Petrobrás. Mas não sabe ele o drama das mulheres que se atrevem a caminhar pela cidade, em qualquer uma de suas nove regionais, num salto alto! E isto porque o estado precário e calamitoso de nossas calçadas, aqui conhecidas como passeios, faz do uso do salto alto uma verdadeira aventura radical, uma guerra contra buracos e traumatismos dia após dia.
Parece e é visível que em Beagá as regras para se fazer calçadas não são cumpridas! Os passeios são deploráveis, cada um faz do seu o seu jeito e se tem a impressão que os mesmos são feitos com as sobras e restolhos da construção do imóvel. Então ocorre uma profusão de passeios inacabados, esburacados, desnivelados, feitos com mistura de vários entulhos da obra e ninguém, institucionalmente falando, fiscaliza a construção, os reparos e a manutenção dos passeios! Verdade seja dita, há boas calçadas aqui, ali, acolá e na parte central da cidade que vem passando por processos de revitalização lentíssimos, um verdadeiro caos e sempre próximo às eleições. Mas não é a regra e sim a exceção! Mas também vale relatar que a qualidade e durabilidade das obras em alguns pontos... deixa pra lá! Não é esta Coca-cola toda!
É difícil ser elegante de salto alto numa cidade serrana, mas nos passeios de Beozonte torna-se uma tarefa hercúlea, uma exposição constante a tombos, quedas, fraturas, contusões, ao ridículo e chacota de todos.
O salto alto para a elegância da mulher é tão fundamental, que muitas, paradoxalmente, se orgulham de rodar a baiana, desmanchar um barraco sem descer do salto! Fato um tanto difícil para as belo-horizontinas que andam dando quebras na coluna, seqüelas de uma pólio tardia ocasionada pelos passeios da cidade, o que faz a mulher daqui parecer deselegante, para não falar jeca.  E é por estas e muitas outras mazelas de nossas calçadas que não se devem julgar as mulheres pelo que se vê da janela.
Há que se andar para crer? Então coloque um salto e venha se arriscar nos passeios de Belô e assim entenderá porque, muitas vezes é comum ver pela cidade, homens e mulheres atolados, praguejando contra céus e infernos e de quebra poderá aprender o que é um trupicão, topada, catar mamonas, catar cavaco, cair em mata-burro e descobrir que o nosso why (uai) é o inexplicável por quê? de mineiro!

Foto: Avenida Brasil uma das mais belas avenidas de Belo Horizonte, foto tirada na área hospitalar. 

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

PODER FEMININO

PODER FEMININO
Marina da Silva
Female Power  é o título de um artigo publicado na revista britânica Economist (30-12-09) sobre o crescimento da força de trabalho feminina nos últimos 50 anos nos países capitalistas avançados e potências emergentes, especialmente nas últimas décadas do século XX. O fenômeno da feminização do mercado de trabalho deslancha uma revolução no mundo do trabalho e nas relações sociais como um todo e ocorre pari passu com a revolução tecnológica e globalização dos mercados que configuram a acumulação flexível, atual fase de acumulação de capitais. Em alguns países a PEA- População Economicamente Ativa já chegou a 50% ou superou a força de trabalho masculina (Estados Unidos e Inglaterra). As mulheres vêm quebrando os laços de dependência econômica masculina; destruindo o mito “isto é trabalho para homem”; assumindo o controle financeiro da casa, da sua educação e dos filhos, tomando posse do próprio corpo e sexualidade. Vivemos um momento de transição onde a mulher assume sua vida e constrói uma identidade social própria independente de autorização masculina, o que, infelizmente, não ocorre sem conflitos.
A entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho data do pós Segunda Grande Guerra, mas elas sempre trabalharam fato passível de verificação através da história da civilização.
Com o advento do capitalismo, lá estavam as mulheres sendo exploradas ao lado de crianças e homens. São as mulheres a maior força de reconstrução da Europa no pós-guerra, e as alemãs, neste momento, nos dão o mais belo exemplo da potencialidade feminina.
O fenômeno atual ou a invasão feminina no mercado de trabalho é um importante salto que vem desencadeando uma grande revolução no mundo. O poder feminino se espraia para todas as esferas da vida e cria “ondas” de atritos, choques, conflitos e confrontos com valores profundamente arraigados no universo, até poucas décadas, dominado exclusivamente pelos homens que detinham a renda e poder sobre o corpo, alma e a vida da mulher.
Esta revolução vem se delineando a meio século trazendo alterações profundas na construção da identidade social da nova mulher: polivalente, multifacetada, multifuncional, tornando complexa e conflituosa as relações, escolhas e interações na família e demais grupos sociais.
Onde está o poder feminino? E que revolução é esta onde às mulheres são destinados os trabalhos precários, os mais baixos salários e relações e condições de trabalho difíceis? Jornadas extensas, autoritarismo, locais insalubres e o mais dramático: exposição constante ao sexismo (guerra entre os sexos), assédio moral e/ou sexual, sub representatividade nos altos cargos e salários e na política. Mesmo nos países do Primeiro Mundo recebem menos que os homens na mesma função e com maior escolaridade: nos países da OCDE o salário da mulher é em média 18% menor que o do homem; no Japão e Itália a média ultrapassa os 20%. Dados da OIT (Org. Internacional do Trabalho) denunciam que no Brasil a renda das mulheres brancas, no mesmo nível de escolaridade, é 21% menor em relação aos homens; trabalhadores(as) negros têm renda 50% menor que os brancos (homens e mulheres); e a renda das trabalhadoras negras é 61% menor do que a renda dos homens brancos.
Se no Brasil e Japão é assim, imagine na China, Índia, Malásia, Coréia,Vietnã, etc?
A multimulher é poderosíssima! É uma conquista fenomenal dos capitalistas hodiernos que usam e abusam da força e polivalência das mulheres (trabalham em casa e fora dela), pagando-lhes baixos salários e as igualando aos homens usam-nas para o rebaixamento geral do trabalho  camuflando no discurso do poder feminino  uma apropriação e expropriação da força de trabalho de ambos, uma extração de mais-valia absoluta inimaginável sustentada numa “igualdade” fictícia, de papel! “Apenas 2% dos chefes listados pela Fortune 500 companies e 5 dos 12 no FTSE 100 stockmarket índex são mulheres”!  Para os altos salários e cargos as mulheres são sub representadas e tanto nos Estados Unidos como na Grã-Bretanha recebem 80% do salário do homem. O maior contingente feminino se concentra no Terceiro setor (comércio e serviços). O  Brasil tem 22.7% da PEA no trabalho domestico, são cerca  de 6.8 milhões de pessoas, mais de 90% mulheres, a maioria preta e parda, muitos menores de 16 anos, com baixo nível de escolaridade, 79.9% recebem entre 1 a 2 salários mínimos.
A cada dia cresce no Brasil e no mundo o Home-working -trabalho em casa, muitas vezes envolvendo toda a família (mala-direta, processadores de alimentos, bordadeiras, etc) e o Flexible Working - sem jornada, salário fixo ou piso da categoria, local de trabalho, benefícios  ou proteção social (trabalhadores da Avon e Natura, citando duas gigantes dos cosméticos). Cada vez mais trabalhadores, homens e mulheres, lutam pelo direito a um trabalho abrindo mão dos direitos trabalhistas, muitos premidos pela sobrevivência. A cada dia inventam-se e reinventam-se formas espúrias de expropriação dos trabalhadores mascarando relações de trabalho e burlando o Fisco e a Previdência na falácia do empreendedorismo individual, das falsas cooperativas,  voluntarismo ideológico/religioso, nos agregados à empresas como autônomos ou pessoa jurídica (laranjas), explorando estagiários (trainees). Uma revolução vem ocorrendo no mundo do trabalho, mas a quem ela favorece? Quais as conseqüências sociais, econômicas, culturais, sexuais, reprodutivas, da ocupação cada vez maior da força de trabalho feminina? Qual o tamanho das perdas, danos e ganhos? É o que precisamos discutir! Yes, we can!